Quilombo Mulatos



   
Representação da fuga de José dos Santos
   
    No âmbito das narrativas históricas e dos relatos transmitidos por meio da tradição oral de seus veneráveis anciãos, emerge a intrigante gênese do Quilombo Mulatos. Sua origem remonta aos anos sombrios do século XIX, quando um intrépido escravo, José dos Santos, conseguiu evadir-se de um opressivo engenho situado nas terras pernambucanas.  
No final do século XIX, nas zonas rurais onde hoje situa-se a urbe de Jardim, havia uma considerável população composta por homens e mulheres sob o jugo da escravidão, enquanto na área urbana, uma parcela menor de homens e mulheres compartilhava a mesma realidade. Além disso, havia um grupo de homens sem ocupações específicas, totalizando um impressionante número de indivíduos.
    Com o advento da emancipação dos escravos no Ceará, em 1884, uma significativa parcela dos recém-libertos optou por alçar novos horizontes nas zonas rurais, estabelecendo-se nas proximidades das precárias fontes d'água, localmente denominadas de "Bebidas". Dentre essas fontes, sobressaía-se a majestosa Boca da Mata, assentada no cume da serra homônima. A região situada a seus pés fora historicamente conhecida como "cabeça do nego". Foi neste rincão que José dos Santos decidiu fixar residência após sua fuga bem-sucedida. Vale destacar que, nas proximidades, já residiam descendentes dos índios Xocós, que desempenharam um papel significativo no processo de migração indígena pelo semiárido das capitanias do Norte e eram identificados como os Tapuias da nação Kariri.
    Os habitantes que gradativamente se estabeleceram nas entranhas da serra eram, em sua maioria, descendentes de José dos Santos. Fruto da miscigenação com indivíduos de ascendência indígena e oriundos de localidades vizinhas, passaram a ser reconhecidos pelos moradores locais como "mulatos". Nesse contexto, emerge o nome que subsiste até os dias de hoje: Serra dos Mulatos. É intrigante observar como um termo que, em seu nascedouro, poderia ter conotações pejorativas, transformou-se em um motivo de orgulho para aqueles que enaltecem a preservação de sua história marcada por resiliência e tradição.

    A Comunidade Remanescente de Quilombo (CRQ) Serra dos Mulatos, localizada na Serra Boca da Mata, região rural do município de Jardim, no Ceará, é uma das mais recentes a receber a certificação de autodefinição quilombola concedida pela Fundação Cultural Palmares (FCP). Essa certificação foi oficializada e publicada no Diário Oficial da União (DOU) em 15 de junho de 2021. A comunidade tem se mobilizado politicamente visando reivindicar seus direitos e espaços enquanto quilombo.
    Já em 19 de dezembro de 2020, os membros da comunidade haviam estabelecido a Associação Remanescente de Quilombo Serra dos Mulatos (ARQSM), e desde então, têm enfrentado desafios e resistido a pressões externas. A comunidade sempre demonstrou um alto grau de organização, contando com líderes ativos em suas fileiras.
Assista o vídeo a seguir e conheça um pouco da história do Quilombo Mulatos, explicado pelos descendentes de José dos Santos, a Josiana Pereira Lima e o Janildo Soares dos Santos.



O Reconhecimento das Comunidades Quilombolas no Brasil

As comunidades quilombolas são grupos étnicos, em sua maioria compostos por populações negras, tanto em áreas rurais quanto urbanas. Elas se autodefinem a partir de vínculos com a terra, relações de parentesco, território, ancestralidade, tradições culturais e práticas específicas. No Brasil, estima-se a existência de mais de três mil comunidades quilombolas.

O Decreto nº 4.887, emitido em 20 de novembro de 2003, estabelece as diretrizes e regulamentações para o processo de identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas pelos remanescentes das comunidades quilombolas, conforme previsto no artigo 68 das Disposições Constitucionais Transitórias. Com a promulgação desse decreto, a responsabilidade pela delimitação das terras dos remanescentes quilombolas, assim como a determinação de suas demarcações e titulações, foi transferida do Ministério da Cultura para o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).

De acordo com o artigo 2º do Decreto 4.887/2003, os remanescentes das comunidades quilombolas são definidos como grupos étnico-raciais que se autodeclaram como tais, possuindo uma trajetória histórica própria, laços específicos com territórios e uma presunção de ancestralidade negra relacionada à resistência histórica contra a opressão sofrida. Isso reforça o compromisso do Estado brasileiro em reconhecer e proteger essas comunidades, preservando suas identidades culturais e direitos territoriais.

Fique por dentro

As comunidades quilombolas são grupos étnicos que descendem dos escravos africanos e vivem em territórios tradicionais. O Censo Demográfico de 2022 revelou que existem cerca de 1,3 milhão de quilombolas no Brasil, sendo a maioria no Nordeste. Essas comunidades têm o direito de ter seus territórios reconhecidos e titulados, conforme a Constituição de 1988, mas enfrentam muitas dificuldades para garantir esse direito. Além da demora e da burocracia, há conflitos com grileiros e latifundiários que disputam as terras. As comunidades quilombolas também precisam se autodeclarar e resgatar sua história, que é marcada por dor, humilhação e preconceito. O território tem um significado profundo para elas, que envolve aspectos físicos e emocionais. As comunidades quilombolas ainda sofrem com a falta de políticas públicas que atendam às suas necessidades específicas de educação, saúde, segurança e outros direitos. Os programas de agricultura familiar são importantes para garantir sua segurança alimentar e sua autonomia. Saiba mais aqui.


Acesse o site oficial do quilombo👉 Quilombo Mulatos | Remanescentes quilombolas

Teste seus conhecimentos a partir da leitura dessa publicação e do vídeo do Quilombo dos Mulatos👇.

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