Lendas Folclóricas do Cariri


         Vários pesquisadores tem uma fala comum quando o tema é cultura popular brasileira, onde afirma-se que o a cultura do país deve-se ao entrelaçamento dos povos envolvidos na formação da nação, ou seja, os nativos, os negros africanos e os colonizadores europeus. O multiculturalismo e o sincretismo fizeram florescer diversas lendas.

O imaginário europeu formado pelas crenças e lendas medievais sobre monstros e outros seres sobrenaturais que habitavam os confins do mundo ou as terras de além-mar, também desembarcaram junto com os colonos no novo mundo. Os mitos e as crenças dos povos nativos e africanos juntamente com a cultura dos conquistadores fizeram nascer ou renascer lendas no sistema cultural do brasileiro.

Apresentamos a seguir algumas dessas lendas folclóricas que está(va) na memória coletiva do sertanejo caririense. 

A lenda da Imagem de Nossa Senhora do Belo Amor e o regresso dos índios Kariris ao Éden subtraído pelo colonizador


Os índios teriam sido presenteados pelos catequizadores capuchinhos da missão do Miranda com a imagem de Nossa Senhora do Belo Amor, e logo construiriam uma capelinha de taipa, onde hoje é a Diocese. Conta a lenda que o vigário ordenou a construção de uma igreja de pedra e cal em outro ponto da Missão.

Quando a Igreja ficou pronta transferiu a imagem da virgem para a nova construção. A noite com a Igreja com as portas trancadas a imagem desapareceu e surgiu em sua antiga morada, ou seja, a capelinha dos índios. O fato aconteceu várias vezes sobre admiração dos colonos e dos nativos. O vigário entendeu esses acontecimentos como um sinal celestial e mandou construir uma Igreja no mesmo local da capela dos indígenas.

Outra lenda relacionada aos antigos moradores da Região, os índios Kariris, diz que os mesmos fecharam as principais nascentes dos pés-de-serra com cera de abelha e troncos de angico. Com o passar do tempo, os índios Kariris voltariam para o vale do Cariri e com uma pajelança desbloquearia as nascentes resguardas da ganância do homem branco.

As nascentes serão destapadas e as águas impetuosas inundarão sítios e cidades. A imagem de Nossa Senhora do Belo Amor, a mesma da antiga Missão do Miranda, boiará sôbre as águas, na cama de uma baleia, que dizem existir debaixo do altar da Virgem, na antiga matriz, hoje Catedral. Os índios dela se apossarão e, quando a inundação amainar, por milagre da Santa, tomarão conta da terra e nunca mais a cederão a outros conquistadores. Erigirão outra capela à imagem querida e a paz reinará, ininterruptamente, sôbre o vale (FIGUEIREDO FILHO, 1960, p. 25).

Alguns moradores cratenses mais antigos ficam receosos quando a cidade sofre uma chuva forte com inundações, pois logo pensam que está se concretizando a profecia dos Kariris.


  A Caipora

 


A Caipora (Caapora), uma espécie de duende que aprontava especialmente nas noites do nordeste e norte da América Portuguesa. Tinha aparência de uma pequena índia, porém muito forte. Seu corpo era coberto de pelos, com "cabeleira açoitante, dona da caça, doida por fumo e aguardente. Há também o Caipora macho, caboclo baixo, hercúleo, ágil, montando o porco-do-mato, ... Outrora bastava sustentar a Caipora de fumo e cachaça para ter caça abundante" (CASCUDO, 2012, p. 106).

        Para alguns a Caipora era uma mulher que montava em um porco-do-mato e possuía o poder de ressuscitar os animais mortos pelos caçadores.

No Cariri, superpovoado, com matas quase totalmente extintas, não resta mais lugar para aquêle caboclinho azucrinador de caçador, a pedir-lhe cachaça e fumo, açoitando-o, no caso de uma negativa. Mãos invisíveis já não açoitam mais o devassador do mato brabo. O cachorro ainda sofre pelas mãos encantadas da caipora. Rola no chão a grunir, como se apanhasse tremenda surra. — À caipora quase que matava meu cachorro, lá na serra, noite passada — diz o caçador em tom bem sério (FIGUEIREDO FILHO, 1960, p. 23).

O caboclinho encantado, Caipora que habita os troncos das árvores, não aprontava apenas com caçadores, ele sumia com as crianças que andavam sozinhas nas matas sertanejas.


A Mula-Sem-Cabeça



A Burrinha-de-padre popularmente conhecida como Mula-sem-cabeça é uma mulher amaldiçoada por ter relações amorosas com os padres católicos.

Dita a lenda que entre a noite de quinta para sexta-feira, a mulher se transforma em uma mula desprovida de cabeça que é extremamente veloz e seus cascos afiadíssimos tem a precisão de uma navalha. Quem fica frente a frente ao monstro morre por vários coices que o ser disfere. A mulher volta o estado normal ao terceiro canto do galo.

Pela madrugada, exausta, recolhe-se, cheia de nódoas das pancadas. Volta à forma humana e recomeça o fadário na outra noite fatídica. Para que a “manceba” do Padre não “vire” Burrinha, é preciso que este não esqueça nunca de amaldiçoá-la antes de celebrar a Santa Missa. Para “desencantá-la” é necessário ter-se a suprema coragem de enfrentá-la e tirar-lhe destramente o freio de ferro (CASCUDO, 2012, p. 168).

A Mula-sem-Cabeça percorre sete freguesias, lembrando outro monstro que atormentava o sertanejo: o Lobisomem.


O Lobisomem



O lobisomem, como o nome sugere, é um monstro metade humano e metade lobo. Transforma-se em lobisomem os filhos oriundos do incesto ou uma lenda mais difundida nos sertões, é que o lobisomem surge após uma série de sete filhas.

Quando completa treze anos, as terças-feiras ou quintas-feiras o monstro surge. Depois disso, as terças e sextas-feiras, entre a meia-noite até as duas horas da manhã, o lobisomem faz o seu percurso

"visitando sete adros (cemitérios) de igreja, sete vilas acasteladas, sete partidas do mundo, sete outeiros, sete encruzilhadas, até regressar ao mesmo espojadouro, onde readquire a formar humana... Quem ferir o lobisomem, quebra-lhe o fado; mas que se não suje no sangue, de outro modo herdará a triste sorte" (CASCUDO, 1999, p. 518).

Os antigos falam nessas assombrações que se espojavam nas encruzilhadas dos caminhos, deixavam rastros, sustentavam lutas com homens ou cachorros e, ao amanhecer, transformavam-se em ser humano, às vêzes até em bons e pacatos cidadãos (FIGUEIREDO FILHO, 1960).

Segundo a tradição, o lobisomem busca sangrar crianças ou animais novos antes do nascer do dia. Para derrotá-lo o oponente tem que fazê-lo sangrar e método mais eficiente para derrotá-lo é como uma bala revestida de cera de velas que foram usadas em três missas dominicais ou apenas na missa do galo celebrada a meia-noite do Natal. Outra forma

para desencantar essa « visagem », precisa-se primeiramente saber o logar por onde costuma passar. Ahi se colloca uma taboa com o velho signo de Salomão, a estrella formada pelos triângulos, que o sertanejo chama « Sino-Samão», feita com palhas de ramos bentos. E' tiro e queda! O lobis-homem olha para aquillo, esmorece, volta a ser gente e nunca mais corre ao seu fadario (BARROSO, 1921, p. 704).

 

Labatut


            O Labatut é um monstro com aparência de um ciclope. Habita a região fronteiriça do Ceará e do Rio Grande do Norte. Ele perambula pelas cidades para saciar sua fome, na surdina fica ouvindo os moradores dos povoados a escolher quem será sua refeição. Com seus pés arrendondados, mãos compridas e com presas similares a de um elefante, o Labatut era uma criatura mais aterrorizante que o lobisomem, mula-sem-cabeça ou Caipora.

Labatut era o nome do oficial do Imperador Napoleão e companheiro de Simão Bolívar que fora contratado pela coroa portuguesa para controlar a insurreição de Joaquim Pinto Madeira. O general Pedro Labatut fez com que Pinto Madeira se rendesse com seus 1690 cabras e sua violência marcou tanto o sertanejo até virar a lenda do monstro Labatut.


Gorjala


            O Bicho-Homem ou Gorjala no folclore cearense, é um gigante negro primitivo que habita as serras com penhascos e devora a dentadas viajantes, lenhadores, caçadores em suma qualquer um que ficar em seu caminho.

     
Como um Gargântua ameríndio, é capaz de esmigalhar montanhas a murro, beber rios, transportar florestas. Como o Gorjala, tem um só olho faiscante. Como o Saci, só tem um pé. Como o Pé de Garrafa, firma no chão uma pegada redonda (CASCUDO, 2012, p. 230).


Papa-Figo


O papa-figo era um monstro que raptava crianças para se alimentar de seus fígados ou comercializá-los com leprosos ricos. Tinha como características: pele negra, era velho, alto, magro, barbudo, vestia farrapos e era bem sujo.

Na terapêutica contra a lepra, o banho do sangue humano e a degustação do fígado, especialmente das crianças, são remédios tradicionais. Hermeto Lima conta a estória horripilante da asquerosa Onça, macróbia leprosa que, a conselho dos ciganos, furtava as crianças da “Roda dos Enjeitados”, levava-as para o mato, amarrava o corpinho pelos pés, seccionava a carótida e ajeitava-se debaixo dos fios de sangue tépido, molhando as úlceras. Só depois de morta é que a polícia soube das proezas do monstro (CASCUDO, 2012, p. 225).

        Em síntase, o papa-figo era uma pessoa que matava crianças para comer o fígado para se curar da lepra ou morfeia.

E havia ainda o papa-figo - homem que comia fígado de menino. Ainda hoje se afirma em Pernambuco que certo ricaço do Recife, não podendo se alimentar senão de fígado de criança, tinha seus negros por toda parte pegando menino em um saco de estopa (FREYRE, 2003, p. 411).
E aí qual das histórias você já conhecia? Qual é sua lenda favorita? Deixe seu comentário.💬


Obras Citadas

BARROSO, G. Ao Som da Viola: Folk-lore. Rio de Janeiro: Leite Ribeiro, 1921.

CASCUDO, L. D. C. Dicionário do Folclore Brasileiro. 10ª. ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 1999.

CASCUDO, L. D. C. Geografia dos Mitos Brasileiros. São Paulo: Global Editora, 2012.

FIGUEIREDO FILHO, J. D. O folclore no Cariri. Fortaleza: IMPRENSA UNIVERSITÁRIA DO CEARÁ, 1960.

FREYRE, G. Casa-grande & senzala: formação da família brasileira sob o regime da economia. 48ª. ed. São Paulo : Global, 2003.

 

3 comentários:

  1. Muito bom meu amigo! Foi boa. Se fomos realmente parte pra lenda local do Cariri cearense, nós separamos com muitas, e entre elas a pedra da Batateira, e o próprio Horto.

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  2. Muito bom meu amigo! Foi boa. Se fomos realmente parte pra lenda local do Cariri cearense, nós separamos com muitas, e entre elas a pedra da Batateira, e o próprio Horto.

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