Os coronéis



 O termo “coronel” pertence a uma patente das forças armadas de oficiais superiores, mas falando especificamente em personagens históricos brasileiros, a origem do termo remonta à criação da Guarda Nacional em 1831. A função dos coronéis no Brasil Império era auxiliar as Forças Armadas e o Corpo dos Permanentes (que era uma espécie de polícia da época) para derrotar os insurgentes do período regencial (JANOTTI, 1981).

O título de coronel era entregue pelo governo imperial para pessoas que tinham certas influências econômicas nas diversas regiões do país, ou seja, grandes proprietários de terras.  Em 1918, a Guarda Nacional foi extinta, porém os grandes latifundiários continuaram a usar o termo para infligir todo tipo de exploração e dominação nos rincões do país, e em especial no Nordeste Brasileiro.

“O excessivo poder que poucos usufruíram repousou, sem dúvida, na fraqueza da estrutura administrativa do Estado, que, embora autoritária e despótica, não tinha condições de atender a todas as instâncias de atribuições que lhe eram adstritas. Desta forma, os potentados locais continuavam a ser vistos pelos cidadãos como seus intermediários nas relações com o Estado” (JANOTTI, 1981, p. 21).

No final do século XIX, a agricultura ainda era a principal atividade econômica do Brasil, que tinha a maior parcela da população trabalhando no campo, que era o território dos coronéis que consolidaram o sistema político do coronelismo após aparecimento da República, precisamente no governo do presidente Campos Sales (1898-1902) com a sua política dos governadores.

A política dos governadores consistia em uma troca mútua de apoio entre os agentes que detinham o poder em esfera federal, estadual e municipal. Os governadores estaduais apoiavam o presidente da república e colaboravam na eleição dos deputados federais e senadores que também estavam alinhados com o governo central. Em contrapartida, o presidente dispensava a intervenção nos estados contribuindo assim para os caudilhos locais. Esse período ficou conhecido como República Oligárquica.



Figura 1 - Ilustração do sistema de apoio baseado na política dos governadores


Sobre a definição de oligarquia, recorremos ao conceito dos historiadores Kalina Silva e Maciel Silva (2009):

A palavra oligarquia indica, em primeiro lugar, uma forma de governo. O termo vem do grego e significa o governo de poucos. Em sua obra A República, Platão definiu a oligarquia como uma forma de governo que se opunha ao bom governo. A oligarquia, era para Platão, o governo dos ricos, ávidos por poder e dinheiro. Mas, dessa definição, a palavra foi gradativamente ganhando conotação mais social e passou a designar também um grupo, uma elite detentora do poder político e econômico. E é com esse significado que vemos o conceito ser mais empregado em nossos dias (p. 316).

O cenário de atuação do coronelismo é o governo local de diversos municípios rurais do interior da nação e o “[...] isolamento é fator importante na formação e manutenção do fenômeno” (LEAL, 1997, p. 275). O coronelismo encontrava na capangagem seus principais aliados para execução de seus desejos, precisando de cabras armados, entre esses até mesmo cangaceiros para dominação de suas localidades. O poder dos coronéis era de suma importância na República Velha, pois eles eram detentores das terras e dos votos. Nessa República dos Coronéis foi instituída o voto de cabresto, que como o nome sugere era um voto direcionado/forçado sem liberdade de escolha. Os eleitores não tinham liberdade de escolha, pois os coronéis mandavam seus jagunços monitorarem o ato de votação e se alguém não desse seu voto ao candidato preferido do coronel, sofreria duras consequências. Além dos votos dos vivos, o coronel conseguia fraudar ainda mais as eleições bico de pena usando votos de defuntos. Desse modo, os domínios do coronel eram inabaláveis, de um lado o governo republicano era conivente com os mandos e desmandos dos coronéis, pois precisavam deles nas eleições direita, e de outro os cangaceiros firmavam parceria com os caudilhos que precisavam deles para manter seu prestígio e impor temor aos adversários.

Em parte alguma foi a violência mais intensa e mais freqüente do que no Vale do Cariri. A política do oligarca", assim como o crescimento econômico acelerado dessa região, tornaram o governo municipal mais apetitoso do que nunca. Entre 1901 e 1910, os chefes políticos de oito municípios do Vale foram violentamente derrubados por rivais e vários outros foram ameaçados de deposição. Nenhuma facção hesitou em armar seus trabalhadores (capangas ou cabras bons) ou em recrutar mercenários (jagunços ou cangaceiros) no sertão de Pernambuco e Paraíba, com o intuito de apoderar-se do poder, ou retê-lo em suas mãos (DELLA CAVA, 1976, p. 127).

Agora iremos ver alguns episódios da oponência dos mandachuvas do Cariri cearense no início do século XX, que traçaram trajetórias de várias localidades ao som do papoco do bacamarte e a luz do punhal.


Coronelismo no Cariri

O coronelismo na região do Cariri teve seu ápice juntamente com o governo da oligarquia aciolina, do comendador Antônio Pinto Nogueira Acióli, do Partido Republicano Conservador – Ceará (PRC-C) que perdurou por vinte anos graças a Política dos Governadores.  Veja a extensão do poder da família Acióli com a distribuição dos cargos e funções no governo cearense, baseado nas informações de Janotti (1981)


No Cariri, mesmo com advento da República a principal atividade econômica ainda era agrícola, ou seja, terreno fértil para o sistema coronelístico.

Em vários municípios foram criadas “guardas locais”, que tinha como função policiar a população sob a tutela do coronel. Essa guarda local era constituída praticamente dos jagunços do coronel que era acionada para reprimir possíveis revoltas populares e lutas contra outros latifundiários que fossem opositores dele. Entre o arsenal dessa guarda local se destacam os bacamartes, punhais e cacetes.

Os únicos chefes políticos do Cariri que não contavam com o apoio dos cangaceiros, eram o Padre Augusto Barbosa (Intendente de São Pedro – atual Caririaçu) e o coronel Basílio Gomes da Silva (Intendente de Brejo dos Santos).

A maioria dos coronéis caririenses tinham o perfil autocrata e também eram “[...] iletrados, agressivos e arrogantes, de espaço a espaço, numa sempre crescente ânsia de poder, praticavam invasões mútuas de redutos vizinhos. Nada, porém, toleravam que lhes ameaçasse o feudo inexpugnável. Eram homens do ‘Só eu e mais ninguém’.” (MACEDO, 1990, p. 38).


Coronel Antônio Róseo

O período de deposições dos coronéis na região do Cariri teve seu início em 1901 na cidade de Missão Velha. O coronel Antônio Róseo Jamacaru foi retirado a bala pelo coronel Antônio Joaquim de Santana (o famoso coronel Santana) que reivindicava o poder dessa comuna cearense.

coronel Santana

O Coronel Santana, morador do sítio Serra do Mato (sopé da serra do Araripe), reuniu para além de seus cabras outros capangas e cangaceiros procedentes de povoados pernambucanos circunvizinhos do Cariri.

Não esperando tal audácia, o Coronel Róseo cedeu a investida do Coronel Santana, e mudou-se para o Jaguaribe. O coronel Santana governou Missão Velha por uma década.

Depois desse episódio de destituição do Coronel Róseo do poder missanvelhense, os demais coronéis das comunas caririenses ficaram em estado de alerta, com isso fortificaram suas defesas e a parceria com os mercenários cangaceiros fora ganhando cada vez mais espaço.


A coronela Fideralina

Representação de Dona Fideralina

Engana-se quem pensa que o poder dos caudilhos caririenses fora exercido exclusivamente por homens, um dos maiores nomes do sistema coronelício vem de uma sertaneja que liderou um batalhão de capangas em busca de vingança, seu nome é: Fideralina Augusto Lima, ou como era chamada “Dona Fideralina”.

Nascida em 24 de agosto de 1832, em Lavras da Mangabeira, Fideralina era filha do mandatário local, major João Carlos Augusto. Dona Fideralina, primogênita do Major João, após a morte do pai deu continuidade da oligarquia dos Augustos.

“Forte e corajosa, dona Fideralina, desde 1876 viúva do major Ildefonso Correia Lima, com destemor e bravura, controlou o poder político em Lavras da Mangabeira, exercendo notória influência, neste particular, não só na região, como também no Estado, antes e depois da proclamação da República” (MACEDO, 1990, p. 56).

Em sua propriedade, o sítio Tatu, Dona Fideralina dispunha de seus trabalhadores do campo (negros/escravos) e o seus cabras que fazia a proteção das terras da coronela, mas ela tinha como parceiro inseparável o bacamarte.

Representação de Dona Fideralina 
segurando seu bacamarte.

Tudo estava dentro da normalidade de vida no sistema coronelício de Dona Fideralina até que um episódio iria sustar toda a dedicação da matriarca Lavrense: o assassinato de seu primeiro neto, o doutor Ildefonso Lacerda Leite.

O assassinato ocorreu em 1902 e teve motivações por uma disputa amorosa entre o Ildefonso e o delegado Manuel Florentino que pretendiam a mesma mulher, a jovem Dulce Campos, filha do coronel Erasmo Alves Campos. Os ciúmes do delegado intensificaram quando Dulce casou com o doutor Ildefonso. No final da tarde do dia em 6 de janeiro de 1902, o doutor Ildefonso foi até a farmácia comprar remédio para sua esposa que estava doente e grávida. A farmácia ficava no trajeto da casa do delegado, que juntamente com seu comparsa José Policarpo esperaram o doutor retornar para mata-lo a facadas e balas. Os próprios executores enterraram em cova rasa o doutor Ildefonso, ficando de fora somente os pés. Muitos apontavam o envolvimento do vigário Manoel Raymundo Nonato Pitta que teria dado apoio, por ter tido diferença ideológicas por causa que o doutor era agnóstico.

Dona Fideralina, reuniu no pátio da casa-grande no sítio Tatu, cerca de cem capangas e deu a eles instruções de como seria a vingança pela morte do neto. Estava no comando da Tropa de Dona Fideralina, Zuza Lacerda que juntamente com os homens rumaram para Paraíba com uma ordem explícita da coronela: “só voltarem de Princesa depois da vingança cruel” (MACEDO, 1990, p. 57).

Com a vingança concluída esse episódio só fortaleceu ainda mais o domínio da oligarquia dos Augustos. O poder lavrense era exercido por membros da família Augusto ou quando “abriram-se exceções apenas para correligionários de sua inteira confiança” (MACEDO, 1990, p. 79).

Outro evento que sobressai da história de D. Fideralina era a disputa interna de seus filhos sobre quem deveria assumir o posto de mandatário de Lavras da Mangabeira. Apenas dois dos seis filhos de D. Fideralina se interessaram pelo poder lavrense: o coronel Honório Correia e o coronel Gustavo Augusto Lima.

O coronel Honório foi deputado estadual por três mandatos, por conta disso foi indicado pelo governo estadual como intendente de Lavras da Mangabeira contra os interesses da mãe e do irmão. Com a nomeação de intendente municipal, o coronel Honório substituía o coronel Manuel José de Barros que tinha sido posto como gestor da cidade pelas benções de D. Fideralina. O coronel Gustavo queria apoio da mãe para tomar o poder local de seu irmão, por ele já ter sido deputado federal em dois mandatos pensava que era a vez de ele assumir o comando de Lavras.

As brigas entre os integrantes da oligarquia dos Augustos só se acirravam, uns apoiavam o coronel Honório que tinha o poder vigente, outros estavam do lado de D. Fideralina e do coronel Gustavo. O clima esquentou de vez depois de duas ações do coronel Honório. O primeiro ato foi prender o irmão Joaquim Augusto Lima por ser apontado como conspiracionista que junto com o irmão Gustavo e a mãe queriam tirá-lo do poder. O segundo ato foi que durante uma discussão com a mãe, o coronel Honório teria apontado um rifle contra ela. Essa última ação do coronel foi o limite para D. Fideralina, que deflagrou um movimento para deposição do filho (MACEDO, 1990).

Além de D. Fideralina, os coronéis Gustavo (irmão) e o Manuel José de Barros (correligionário que estava no cargo antes de ser afastado para que o coronel Honório assumisse) são a base desse movimento de destituição do poder do caudilho Lavrense. Por meio do fato consumado, D. Fideralina esperava que o estado entregasse novamente o comando da cidade para o coronel Manuel José, e em contrapartida o coronel Gustavo dividiria o poder local com o cargo eletivo de deputado estadual, ao qual a mãe o apoiaria.

Esse movimento de deposição do maioral de Lavras da Mangabeira contou com o apoio do coronel Antônio Joaquim de Santana (Missão Velha) e o coronel Domingos Leite Furtado (Milagres) que reuniram 400 jagunços da região do Cariri e também de Pernambuco.

Representação de um cabra
 da tropa de D. Fideralina

Reunido no território de dona Fideralina, o numeroso e dantesco bando, antes da investida, ouviu dela, entre outras, esta veemente admoestação: "Quem acertar um tiro no Torto morre!" O Torto era Honório, que, sendo estrábico, assim o alcunharam. Na velha matrona, ciente da gravidade do momento, falara bem alto o instinto materno (MACEDO, 1990, p. 82).

Derrotado coronel Honório se refugiou no povoado de São Pedro (Caririaçu) junto com sua família (esposa e filhos). Depois foi para a capital do estado, onde ficou até sua morte em 3 de dezembro de 1938. O coronel Honório jamais voltou para Lavras da Mangabeira.  Depois dessa briga familiar pelo poder local, o que tinha sido acordado entre D. Fideralina, coronel Gustavo e o coronel Manuel José se sucedeu.

Em 1912, com a queda da oligarquia Acióli vários coronéis tiveram seus postos colocados em xeque devido a política das salvações do governo federal. Dito isso, o poder Lavrense foi passado para o rabelista (em alusão ao presidente do Estado Marcos Franco Rabelo) Antônio de Oliveira Banhos, que tinha apoio da irmã de D. Fideralina, Dulcéria Augusto de Oliveira, mais conhecida como dona Pombinha. O governo rabelista não durou muito, em 1914, Rabelo é retirado do cargo e o novo interventor do Estado, Setembrino de Carvalho devolve o poder para a família dos Augustos. De certa forma, eles nunca saíram do poder, o Antônio Banhos era cunhado das irmãs Fideralina e Pombinha, pois casou-se duas vezes com outras irmãs delas.

Dona Fideralina e o coronel Gustavo participaram da retomada do poder contra o Coronel Franco Rabelo na Sedição de Juazeiro, com apoio aos revoltosos com material bélico e humano.

“Tal a consistência da oligarquia dos Augustos, tendo como figura central dona Fideralina, que, mesmo após seu desaparecimento, em 1919, descendentes seus continuaram, por mais de meio século, destacando-se na vida político-administrativa do Ceará” (MACEDO, 1990, p. 86).

Um século depois, os familiares de D. Fideralina ainda estão em atuação na política do Ceará. Em 2012, Roberto Cláudio o tataraneto de D. Fideralina foi eleito para comandar a capital e foi reeleito em 2016. Outro descendente da coronela é seu trineto Heitor Correia Férrer que em 2018 assumiu seu quinto mandato como deputado estadual.

 

Coronel José Belém de Figueredo

Coronel José Belém de Figueiredo

O coronel José Belém de Figueredo, apesar de ter nascido (31 de janeiro de 1853) no município de Milagres será no Crato que irá torna-se um caudilho de fato. Enquanto jovem, Belém era participante do movimento renovador e amigo do coronel José Antônio de Figueredo que governava no Crato. Logo, o coronel cratense indicou Belém junto ao presidente do Estado que assim o nomeou como delegado da polícia local.

Com a proclamação da república, temendo a reação de seus opositores que sabiam que era monarquista, o coronel José Antônio bolou um plano com o Belém. O plano consistia no seguinte, o coronel indicaria Belém para a intendência municipal e com as águas mais tranquilas ele deveria renunciar para que o coronel José Antônio voltasse ao poder municipal. Apesar de acordados, o agora coronel Belém, não renunciou coisa alguma, disse ele: “não pedi para ser intendente, e, como aqui estou, aqui fico” (MACEDO, 1990, p. 61). Com apoio do presidente do Estado, o coronel Belém prontamente aparelhou a justiça, a polícia, o legislativo etc. Nascia a autocracia belenista em Crato. No final do século XIX, o coronel Belém já era detentor de várias propriedades rurais e urbanas da cidade do Crato.

Representação do capitão Jesuíno 

O coronel Belém nomeou Jesuíno Antônio de Maria como comandante da guarda local, que eram “feras humanas que compunham a guarnição da cidade, andando durante o dia, ‘armados de garrucha, cartucheira e punhal’. À noite, conduziam mais um bacamarte” (MACEDO, 1990, p. 63). Esse período do terror em Crato instalado pelo coronel Belém tive vários episódios terríveis que mostravam o autoritarismo do caudilho, destacaremos alguns fatos que são exemplares desses tempos. Na tarde de um domingo com várias pessoas próximas a Igreja de Nossa Senhora da Penha, o coronel Belém mandou dá uma surra de facão (castigo bastante comum nos rincões do Brasil, que consistia em bater em alguém com a lateral da lamina do facão e que as vezes poderia ser esquentada para aumentar a dor) no professor Manuel da Penha de Carvalho Brito, que seria o suposto autor de um  artigo publicado em um jornal da capital e que o coronel não teria gostado. O senhor de engenho Otoniel Maia e um morador João Carvalho também passaram pela pêia de facão rabo de galo. Nem as mulheres escapavam dos perversos castigos da guarda do Coronel Belém.

“a viúva de Mestre Aires, alfaiate, que, em vida, gozou do melhor conceito entre as famílias cratenses. A sua porta foi aberta a trôco de coronhadas de bacamarte, à meia-noite. A surra foi dada na cama, onde se encontrava dormindo. Aos que comentassem êsses acontecimentos terroríficos, eram aplicados os mesmos castigos” (MENEZES, 1960, p. 71).

Outro crime horrendo que ajudou ainda mais a intensificar a insatisfação da população cratense contra o todo poderoso coronel Belém, foi quando um morador chamado de Cinobilino após ser brutalmente assassinado, o seu “cadáver entrara nas ruas do Crato amarrado nos cabeçotes de uma cangalha [...]” (MACEDO, 1990, p. 64).

Coronel Belém percebeu que a população cratense estava descontente com o seu governo de terror, foi daí que teve a ideia de fazer no dia 6 de setembro de 1903 um banquete para impressionar além da população, os outros chefes locais e o governo estadual.

“Na ocasião, proferiram-se discursos elogiosos, não só ao senador Nogueira Acióli e ao presidente Pedro Borges, mas também aos chefes locais participantes. Findo o festim, as notícias do congraçamento político foram transmitidas para a Capital, por telegramas, dirigidos aos líderes do nacionalismo e à imprensa. A festa, todavia, não se encerraria aí. À noite, ainda houve espetáculo de fogos de artifício, coroando o evento animado baile” (MACEDO, 1990, p. 64).

Entretanto, a população não caiu nesse espetáculo do coronel Belém, e a gota d'água veio quando um grupo de jovens opositores realizava uma serenata e foram duramente reprimidos pelo capitão Jesuíno e sua guarda local, levando um a óbito e outros foram gravemente feridos.

Em Crato, o partido governista local se dividiu em duas frentes uma liderada pelo coronel Belém e outra pelo coronel Antônio Luíz Alves Pequeno. Os partidários do coronel Belém ficam conhecido como Malabares e do coronel Antônio Luíz foram chamados de Maxixes.

“Nessa altura das hostilidades e em consequência de uma passeata em que moças e rapazes da oposição conduziam na lapela um pequeno maxixe, os partidários do coronel Belém apelidaram os partidários do coronel Antônio Luiz de MAXIXES e êstes, em represália, alcunharam aqueles de MALABARES. Com êstes cognomes ambas as correntes passaram para a história” (BRITO, 1959).

O senador Acióli, segundo Brito (1959) era o oráculo do presidente do Ceará, estava no aguardo para enquadrar os cratenses na “política dos fatos consumados”, pois ele não poderia tomar partido de nenhum dos lados, porque era amigo de longa data do coronel Belém e parente do coronel Antônio Luíz.

Em junho de 1904, ambos coronéis trataram de aumentar seus armamentos e números de capangas para o conflito eminente. O coronel Antônio Pereira da Silva mandou de seu município Flores em Pernambuco, para seu amigo coronel Belém, cem cangaceiros que somados com seu efetivo de capangas, totalizava quatrocentos homens prontos para o combate. Do outro lado, o coronel Antônio Luíz recebeu apoio de seu primo Monsenhor Afonso Pequeno, de Vila Bela, atual Serra Talhada, que conseguiu com o coronel Antônio Pereira de Carvalho (Antônio Quelé), cem capangas e que juntando aos seus dava um número similar ao quadro de combatente de seu desafeto.

Para evitar o conflito, alguns coronéis e padres (coronel Romão Rufino, de Salgueiro; o coronel Antônio Santana, de Missão Velha e padre Quintino Rodrigues de Oliveira e Silva, vigário do Crato) conseguiram selar um tratado de paz entre as duas parte envolvidas, mas não durou muito, porque o capitão Jesuino retornou com tudo sua perseguição aos opositores.

No dia 27 de junho de 1904, a cidade do Crato presenciou o confronto entre os maxixes e os malabares. Os homens do coronel Belém se reuniram na praça da Sé, em frente à casa do coronel e se entrincheiraram nas casas vizinhas (BRITO, 1959). Já os maxixes sobre a liderança do coronel Antônio Luiz fizeram um cerco nas divisas da cidade para impossibilitar o socorro externo dos coronéis aliados ao coronel Belém.

Com a cidade sitiada, os homens do coronel Antônio Luiz atacam os fundos da casa do coronel Belém e o quartel da Guarda Local.

Durante o dia 27 houve apenas três tiroteios. No dia 28 os tiroteios foram mais numerosos, contra tôdas as trincheiras do coronel Belém, não se registando nem avanços e nem recuos e mantendo-se as forças equilibradas. À meia-noite do mesmo dia os maxixes atacaram com mais energia, travando-se cerrado tiroteio durante mais de meia hora e terminando nas mesmas condições. Às quatro horas da manhã do dia 29 reiniciou-se com violência o ataque dos maxixes, cessando ao amanhecer e repetindo-se à miúde até às catorze horas quando o coronel Antônio Belém de Figueiredo, irmão do chefe entrincheirado, içou um pano branco numa varinha, atravessou a Praça e penetrou nas fileiras inimigas, sendo prêso e levado à presença do coronel Antônio Luiz. Diante do ocorrido e tendo a bandeira branca saido de dentro da casa do coronel Belém, atacantes e atacados suspenderam o fôgo e ficaram aguardando o resultado (BRITO, 1959, p. 51).

Com a vitória dos Maxixes, foi negociado um contrato de rendição incondicional que salvaguardaria o coronel Belém e seus capangas. O presidente Pedro Borges não concordava com a “política dos fatos consumados”, e queria restaurar a ordem no local, mas depois dos conselhos enviados em telegramas para ele pelos padres CíceroRomão Batista, Moreira Maia, Alencar Peixoto e Pedro Esmeraldo, voltou atrás e deixou tudo como estava. Mais uma vez fez valer a política dos fatos consumados.


Coronel Neco Ribeiro

Representação do coronel Neco

O coronel Manuel Ribeiro da Costa, mais conhecido por coronel Neco Ribeiro tinha em sua árvore genealógica o advogado Manuel de São João Madeira e era sobrinho do chefe absolutista do Crato, Joaquim Pinto Madeira. A família do coronel Neco está nas terras caririenses desde o período civilizatório do Cariri, nas terras do sítio Coité, em Barbalha. Em relação a deposição do coronel Belém do Crato, o coronel Neco ficou do lado do coronel Antônio Luiz.

Em 3 de março de 1906, o coronel João Raimundo de Macêdo, conhecido por coronel Joca do Brejão (Brejão era o sítio onde residia em Barbalha), iria reivindicar a chefia barbalhense. O coronel Joca, também era de família tradicional e irmão por parte de mãe do coronel Antônio Joaquim de Santana, o todo poderoso caudilho de Missão Velha.

A deposição do coronel Neco teve apoio dos governistas e dos oposicionistas.

Iniciado o cerco, foi acionado o bacamarte pela cangaceira e demais elementos, que a ela se juntaram. O tiroteio durou oito horas, encerrando-se com a rendição do coronel Neco Ribeiro e a aclamação do coronel Joca do Brejão como chefe do município pelos rebelados em delírio (MACEDO, 1990, p. 76).

Seguindo o roteiro, o governo do Estado deu por fato consumado e mais uma vez teve êxito o banditismo político. Em várias outras localidades caririenses foram ocorrendo deposições, e os personagens que formavam a trinca do poder nos sertões, os CCC - coronéis, cabras e cangaceiros se fortaleceram no primeiro quartel do século XX.Se você sentiu falta nesse texto do padre Cícero e Floro Bartolomeu ou do Pacto dos Coronéis preferimos deixar para outra publicação, para não se alongar de mais nessa. Espero que tenha gostado. Dúvida, sugestões ou elogios deixe seu comentário.


Referências

BRITO, J. D. F. Maxixes e malabares. Itaytera, Crato, n. 5, p. 37-57, 1959.

DELLA CAVA, R. Milagre em Joaseiro. Rio de Janeiro: Paz e Terra, v. 13, 1976.

JANOTTI, M. D. L. M. Coronelismo uma politica de compromissos. 2. ed. São Paulo: editora brasiliense, 1981.

LEAL, V. N. Coronelismo, enxada e voto: o município e o regime representa tivo no Brasil. 3. ed. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1997.

MACEDO, J. Império do Bacamarte: uma abordagem sobre o coronelismo no Cariri cearense. Fortaleza: Universidade Federal do Ceará, 1990.

MENEZES, P. E. D. O Crato de meu tempo. Fortaleza: Imprensa Universitaria do Ceará, 1960.

SILVA, ; SILVA, H. Dicionário de conceitos históricos. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2009.

 

 

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