Os jesuítas em território cearense


A Primeira Missa no Brasil, 1860 - Victor Meirelles
(Museu Nacional de Belas Artes Rio de Janeiro)


Os padres jesuítas tiveram uma funcionalidade primordial no início da colonização da América Portuguesa, que era de evangelizar/civilizar os nativos. Apesar da missão de catequizar os índios, os jesuítas salvaram muitas informações da cultura dos povos conquistados antes do aculturamento. Para compreender os múltiplos dialéticos indígenas presentes no território que passará a ser o Brasil, os jesuítas tiveram que criar dicionários para ajudar a se comunicar com os autóctones. O processo foi lento e gradual, mas surtiu efeitos.
Ao decodificar os dialetos dos nativos especialmente a língua tupi, os padres jesuítas elaboraram uma a língua-geral ou língua brasílica, que possibilitou uma comunicação compreensiva entre os conquistadores e conquistados. Era muito importante ser compreendido em um processo de dominação, pois facilita os objetivos que estavam em pauta, que eram para os colonizadores europeus a exploração dos recursos naturais desse novo mundo, já para os padres católicos, levar a mensagem de Cristo: “Ide por todo o mundo, pregai o evangelho a toda criatura” (Mc 16,15).

Representação meramente ilustrativa do padre Luís Figueira
Em 20 de janeiro de 1607 saíram de Pernambuco em um barco, os padres Francisco Pinto e Luís Figueira, da companhia de Jesus, com destino ao Maranhão (nesse momento histórico a capitania do Siará pertencia ao Estado do Maranhão) e tiveram ajuda de 60 índios das tribos tupinambá, potiguara e tabajara. O translado dessa comitiva jesuíta fora realizada com barco dos nativos e a maior parte foi feita a pé, enfrentando os riscos da fauna, flora e as intempéries do clima.
Quando a comitiva passou pela a Serra dos Corvos (Uruburetama) essas dificuldades ficaram bastante atenuadas como descrito no depoimento do padre Figueira:
"Nessa triste serra dos Corvos parece que se ajuntaram todas as pragas do Brasil, inumeráveis cobras e aranhas a que chamam caranguejeiras, peçonhentíssimas, de cuja mordedura se diz que morrer os homens, carrapatos sem conta, mosquitos e moscas que magoam estranhamente e ferem como lancetas".(GIRÃO, p.41)
Nesse percurso os desbravadores encontraram várias tribos as quais ofereciam aos visitantes alimentos como milho, palmitos, feijões, abóboras entre outros, além de oferecer descanso em suas barracas.

Representação meramente ilustrativa dos padres Francisco Pinto 
Em 11 de janeiro de 1608, a comitiva sofreu ataque dos tapuias tocarijus, entre as baixas de vários indígenas que acompanhavam os jesuítas, o padre Pinto foi morto a pauladas, o padre Figueira foi escondido no matagal por um índio aliado salvando sua vida. O padre Pinto foi sepultado no sopé da montanha chamada Abaiara (Ubajara),


[...] 'ao longo de um rio, dentro do mato', fazendo-lhe um monumento de pedra sobre a sepultura para sinal dela e pondo-lhe também uma cruz à cabeceira. À direita e à esquerda enterrou um índio - os dois que mais de perto lutaram pelo padre morto". (GIRÃO, p.43)

Seis meses depois o padre Figueira se deslocou para a barra do Siará, sendo recebido pelos nativos que ali se encontravam com festas. O jesuíta aconselhava os nativos a plantarem suas roças e ele ergueu um cruzeiro feito de cedro em 10 de agosto e colocou o nome do povoado do santo do dia: São Lourenço. Com esse feito do jesuíta os nativos esperavam que com essa nomenclatura os conquistadores brancos não mais iriam escravizá-los e nem iniciar conflitos contra eles, pois estavam "civilizados".
Padre Figueira recebeu uma carta de um colega, o padre Gaspar de Samperes que já estava no Siará e queria mandar uma embarcação para socorrê-lo. Padre Figueira assim fez, foi com alguns por via fluvial e os demais foram por via terrestre.
Chegaram em setembro e pouco tempo depois o padre Figueira regressou para Pernambuco. Os índios do Siará trouxeram da Ibiapaba os restos mortais do padre Pinto, que se tornou uma espécie de relíquia sagrada para os nativos para o enfrentamento da seca de 1612.
Outra incursão interessante dos padre jesuítas está relatada na carta ânua dos missionários jesuítas Ascenso Gago e Miguel Pedroso que aldearam os tabajaras na Ibiapaba. Segundo Gago e Pedroso das tribos que conheceram no Brasil os Tobajara (Tabajara) eram os mais inteligentes. Os padres ficaram maravilhados em perceber a organização política dos Tobajara que tinha uma espécie de parlamento no meio da aldeia onde as decisões de interesse deles eram tomadas para conhecimento de todos, já que o local tinha portas e janelas abertas. Liderava esse parlamento o Principal (cacique) que em sua rede juntamente com os membros basilares da aldeia e também com todos os anciões compunha o conselho.
Representação meramente ilustrativa dos padres Ascenso gago
e Miguel Pedroso respectivamente

Mesmo recebendo esses elogios dos jesuítas eles também faziam críticas contundentes, pois tinha um choque cultural entre a cultura europeia e dos nativos. A fé sem dúvida é uma das principais causas de divergências, veja um trecho dessa carta dos padres Gago e Pedroso:
“São supersticiosíssimos e crêem cegamente as mentiras dos seus pagés ou adivinhos; porém nesta parte vivem já muito emendados com a ajuda divina os que conosco assistem, porque muitas vezes os temos convencido com razões evidentes, mostrando-lhe as falsidades e embustes dos seus pajés, curando e dando sãos, por permissão divina, a muitos enfermos que os pajés nunca puderam sarar” (PINHEIRO, 2011, p.33).
Os padres Gago e Pedroso, ainda relatam outros problemas culturais, como o das bebedices. Os índios faziam uma espécie do que os padres chamam de vinho com algumas frutas e legumes. No que parece um ritual de iniciação, os padres relataram o caso de algumas crianças que são forçadas a beberem o líquido em uma espécie de ritual até caírem no chão e que posteriormente toda a tribo bebe junto e fazem festas ao som de músicas com suas flautas e tambores. Os jesuítas ainda falam dos casamentos dos índios Tobajara que entregam as filhas de 9 anos e 10 anos de idade “a título de multiplicação” e podendo ter de 40 a 50 mulheres.
A poligamia foi combatida pelos padres que foram convencendo os nativos que a monogamia era a vontade do deus deles, “aos que connosco assistem temos tirado estes bárbaros costumes” (PINHEIRO, 2011, p.34).
Além dos Tobajara, os missionários Gago e Pedroso descreveram o contato com outros povos indígenas, como a nação Reriiú. Sobre a nação tapuia Reriiú, os jesuítas disseram que eles tinham quatro principais que eram: o Principal Timucu, o Principal Coió, o Principal Arapá, e o Principal Guaraná. Esses tapuias são caçadores coletores como os demais bárbaros e suas filhas só se casavam depois dos quinze anos, padrão aceitável para os conquistadores europeus. Outra nação descrita por esses jesuítas são os Aconguaçus que também habitavam na serra de Ibiapaba. De acordo com os missionários eles tinham os costumes muito parecido com a nação Reriiú, mas tinha um ritual exótico para com os restos mortais de seus mortos. Após seis meses, os Aconguaçus desenterram seus defuntos e moem os ossos. Após moer misturam com mel e comem, eles acreditavam que esse ritual era uma demonstração de amor para com os finados.
Os Tobajara, os Reriiú e os Aconguaçus eram nações rivais, os jesuítas assumiram o papel pacificador. Os padres Gago e Pedroso, narraram um episódio onde os Reriiú selaram um pacto de paz com os Tobajara com interseção dos missionários:
E tanto que vi davam gratos ouvidos ao que lhe dizia, lhe comecei a louvar a paz e encarecer-lhe as conveniências dela, que tendo paz com as mais nações livres e sem sobressaltos fariam suas correrias pelos campos e matos, buscando o sustento para suas mulheres e filhos, e assim se criavam estes para sucessores de seus pais, livres de os contrários por algum sucesso adverso os cativarem, que eu era sacerdote do Grande Deus, Senhor de todas as coisas, e por sua vontade viera aquelas terras a pôr em paz a todas as nações daquela costa, e trazer-lhes outro modo de vida diferente da de seus avós, com o qual viveriam quietos e sossegados e os faria também amigos dos Brancos, dos quais poderiam haver machados para tirar mel, e me obrigava a falar às mais nações para que quisessem aceitar a paz. Ao que me respondeu o Principal: que de muito boa vontade faria o que eu lhe dizia, pois era tão grande Pagé, porém que suposto as outras nações lhe tinham dado causa para a guerra, também fossem os primeiros em lhe pedir a paz, e nesta conformidade a não negariam a alguém. Prometi-lhe procurar que asmais nações o fizessem assim. Perguntei-lhe se de boa vontade faria pazes com o gentio Tobajara de língua geral. Respondeu que sim e que dêles não havia recebido tanto agravo como dos outros Tapuias, pelo que, se trazia eu alguns em minha companhia (pois não era possível andar só e sem guia por aquele sertão) que bem os podia chamar, porque logo faria pazes com eles. Parti-me logo chamar os índio que estavam emboscados, um dos quais era o Principal D. Jacobo de Sousa, e contando-lhe o que havia passado se veio com os mais em minha companhia, não sem receio de alguma treição, ou em boscada oculta do Tapuia. Chegaram à fala, fizeram seus arrezoados de parte a parte, alegando a fidelidade e paz que seus avós e antepassados mutuamente observaram sempre, até que chegaram a dar a mão um ao outro, repetindo três vezes em alta voz esta palavra guiaâa! Que quer dizer paz, reservando as mais solenidades deste acto, para quando uns outros as achassem juntos, como ao depois fizeram. (PINHEIRO,2011, p.37-38).
De certa forma os jesuítas foram defensores dos nativos e impediram na medida do possível as atrocidades dos demais colonizadores que queriam escravizá-los e usá-los para satisfazerem suas necessidades mais atrozes.  Em 1759, o Marques de Pombal e sua reforma pombalina, expulsou os jesuítas por atrapalharem os objetivos econômicos da corte portuguesa.

Agora responda nosso caça-palavras sobre o texto que você acabou de ler.

                                                                                                                                                                   
 Referências Bibliográficas

GIRÃO, Raimundo. Pequena história do Ceará. 4ª.ed. Fortaleza: Edições Universidade Federal do Ceará, 1984.
PINHEIRO, Francisco José. Documentos para a História Colonial, especialmente a indígena do Ceará (1690-1825). Fortaleza : Fundação Ana Lima, 2011.

2 comentários:

  1. Um excelente material de apoio para trabalhar a disciplina de ESTUDOS REGIONAIS.
    Muito bem explicado.
    Parabéns professor!

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  2. Excelente conteúdo Robinson, vem nos ajudar a partir do momento em que temos um currículo a seguir na disciplina de Estudos Regionais sem apoio de um material didático, como o livro pro exemplo. Parabéns pela iniciativa!

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