Economia e sociedade no sul da Capitania do Ceará entre o século XVIII e XIX


 

A vida no interior não era nada fácil, e a pecuária era bastante prejudicada pelas calamidades das secas. Até 1681 o Ceará estava vinculado à capitania do Maranhão e até 1799 pertencia a Pernambuco. Sob o domínio pernambucano, o Ceará tinha apenas autonomia militar e o seu litoral era requisitado pelos colonos, como ponto estratégico da defesa territorial da colônia frente a povos invasores e os tapuias. Para combater os invasores e os nativos bárbaros, os colonos construíram fortes.

Foi durante essa dominação pernambucana que o Cariri ampliou seus vínculos comerciais e políticos com Pernambuco mais até do que com o próprio Ceará. A ocupação dos colonos no sul da capitania do Ceará foi viabilizada graças as atividades sedentárias com destaque a cultura canavieira como veremos adiante.

Três fases marcaram o povoamento do Cariri, a primeira a pecuária, dizia respeito as sesmarias que eram distribuídas para criação de gado vacum até a primeira metade do século XVIII; a segunda deve-se aos boatos de ouro que atraiu muitos colonos por volta de 1750 e por fim, temos a agricultura com o cultivo da cana.

Com a cultura canavieira, “nasceu para a região a maior de suas riquezas, a qual aglomerou muitos grupos humanos em torno de seu cultivo e produção, fortalecendo gradativamente os principais núcleos de povoamento da região recém-explorada” (OLIVEIRA, 2003, p. 25).

Os sesmeiros portugueses enfrentaram grandes dificuldades em colonizar o sul da capitania graças a resistência dos tapuias tabajaras e kariris. A pecuária foi uma atividade significativa para a conquista dos sertões principalmente no quesito abrir caminho interior adentro, pois “[...] como diz o ditado popular; ‘onde o gado entra não há mato que agüenta’” (OLIVEIRA, 2003, p. 25).

O sertão cearense foi desbravado em meados do século XVII por meio da pecuária. A pecuária era extremamente relevante no fornecimento de alimento e como força de tração essencial para muitas tarefas nos engenhos de açúcar que era a principal atividade na colônia. O gado era “mercadoria de condições excepcionais: ela mesma era o valor, ela mesma se transportava a si, ela mesma era o frete, para transformar-se em objetos, instrumentos, panos e escravos, trazidos daquelas praças consumidoras” (GIRÃO, 1984, p. 93).

O gado como figura central da economia sertaneja.

Segundo o historiador cearense Capistrano de Abreu, a penetração dos fazendeiros no sertão nordestino se dá através de dois “caminhos”: a do Sertão de Fora liderado em sua maioria por pernambucanos que trasladaram pelas áreas próximas aos litorais da Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará com destino ao Maranhão.

Os colonizadores começaram a sair do litoral rumo ao desbravamento do sertão ao longo dos principais afluentes do território. Os rios além de serem locais ideais de percurso para o colonizador era fonte de alimento com seus peixes e animais que frequentam o espaço para saciar sua sede.

Já a do Sertão de Dentro liderados pelos baianos que se deslocaram pelo interior do nordeste se deslocando do Rio São Francisco até o Parnaíba, alojaram-se principalmente no sul do Ceará.

Com a ocupação dos colonos no interior do território surgiram vilas e aldeamentos que mais tarde seriam elevados à categoria de vila, como, por exemplo a missão do Miranda que se tornaria a vila real do Crato. Em outras palavras a rota do gado com os aldeamentos foram paulatinamente formando os primeiros núcleos urbanos do Cariri: Missão Velha e Crato. Para a coroa lusitana essa conquista dos sertões era proveitosa não somente no processo civilizador, mas primeiro criava áreas que deveriam pagar tributos aos cofres da metrópole.

A sociedade caririense nesse período colonial era tipicamente ligada ao grande latifúndio, com seus rebanhos e escravos sob a posse de uma elite “primeiros civilizadores” que conseguiram as cartas de doações de sesmarias com a coroa portuguesa. Além dos grandes latifundiários faziam parte da estrutura social, fazendeiros e arrendatários mais modestos. A sociedade sertaneja ainda era composta de funcionários públicos, artesãos, trabalhadores pobres e livres (vaqueiros, agregados/cabras) e na camada mais baixa estavam os índios e negros que contemplava o trabalho escravo.

Como era uma das regiões mais visitadas da capitania, pouco tempo se passou para que o elemento cativo fosse levado para o trabalho naquelas paragens. Utilizado nas minas, nas lavouras de cana e nos trabalhos domésticos, o negro e demais trabalhadores compuseram a realidade histórico-social do Cariri. Diversos grupos (crioulos, cabras, mulatos e mestiços) compuseram nesse período as bases da sociedade caririense.  (OLIVEIRA, 2003, p. 27).

A presença de escravos africanos no Cariri cearense era ínfima se comparado à população total, devido principalmente a ser uma região castigada pelas secas que dificultava a produção, por isso os grandes latifundiários tinham empecilhos para compra de mão de obra negra, recorrendo principalmente aos índios e aos mestiços.

Representação de um escravo que trabalhava
nas lavouras canavieiras do Cariri.


“[...] no início do século XIX a população de cativos das vilas de Crato e Jardim era de 1.697 indivíduos, em relação a uma população total livre que era de 32. 822. Dentro do exuberante número de indivíduos livres, a quantidade de escravos tornava-se insignificante” (OLIVEIRA, 2003, p. 29)

Tabela presente na dissertação “Engenhos de Rapadura do Cariri: Trabalho e Cotidiano (1790-1850)” de Oliveira (2003, p. 29)

    Mesmo a quantidade de homens livres sendo preponderante no Cariri, não podemos omitir a presença negra na região.

No interior, o elemento negro se torna ainda mais raro, intensificando-se apenas com a cotonicultura e a cana-de-açúcar no Cariri. Do ponto de vista do algodão, esse produto atraiu um bom número de escravos; no entanto o fluxo de homens livres foi mais intenso que o de escravos. Nesse aspecto a formação populacional do Ceará foi basicamente mestiça (OLIVEIRA, 2003, p. 31).

     No final do século XVIII e durante o século XIX a população de trabalhadores livres e escravos aumentaram significativamente no sul da capitania do Ceará.

Tabela presente no artigo “Escravidão, núcleos familiares e mestiçagem: uma análise do Cariri cearense no século XIX” de CORTEZ  IRFFI (2012, p. 5)

Os números trazem às claras as nuanças da escravidão no Cariri, onde

“para o caso do sul cearense, a maior numeração encontrada na contagem indica uma quantidade aproximada de 3.543 cativos matriculados no ano de 1872; sendo 1.975 em Crato. Barbalha e Missão Velha contavam com 556 e Milagres com 1.012 cativos. A partir desses números, é perceptível como o Cariri, mesmo numa década de questionamentos acerca do cativeiro, ainda contava com muitos escravos como trabalhadores em suas atividades econômicas” (CORTEZ e IRFFI, 2012, p. 5).

    O trabalho escravo no Cariri era empregado em tarefas domésticas, nas lavouras, pecuária e nos engenhos de rapadura e de aguardente. Os proprietários dos escravos não eram apenas os grandes latifundiários, apesar que os mais abastados tinham um efetivo bem maior comparado com o pequeno ou médio produtor. Um exemplo de dono de cativos que tinha um grande efetivo de escravos era o dono do Engenho Tupinambá, o Antonio Manoel de Sampaio. O senhor de engenho Manoel contava em 1870 com mais de cinquenta cativos distribuídos nos trabalhos do canavial, de sua casa comercial e residência todos localizados em Barbalha.

 

Tabela presente no artigo “Escravidão, núcleos familiares e mestiçagem: uma análise do Cariri cearense no século XIX” de CORTEZ  IRFFI (2012, p. 6)

Como dito anteriormente, o número de escravos era muito irrelevante se compararmos a outras regiões do país e um dos principais motivos se deve “[...] as restritas condições financeiras dos senhores, que os impossibilitava de possuir muitos escravos, mercadoria de preço bastante alto” (CORTEZ e IRFFI, 2012, p. 7).

Para não haver complicações entre a atividade canavieira e a pecuária os proprietários dispunham de espaços separados. Exemplo disso, tivemos

com o casal do Capitão José Joaquim de Macedo e Dona Roza Perpétua do Sacramento: este se prestava a criação do gado na propriedade do Riacho das Antas, enquanto nas Ribeiras do Rio Salgado, no Sitio Coqueiro, desenvolvia o cultivo e refino da cana no seu engenho e a preparação da farinha da mandioca em seu aviamento; além de possuir uma razoável quantia aplicada em escravos, num total de 1:820$000. 000 (CORTEZ e IRFFI, 2012, p. 8).

Entre todas as atividades agropastoris, o engenho era a que tinha maior contingente de mão-de-obra escrava. Para consumo de subsistência eram cultivados feijão, mandioca, milho entre outras culturas para uso interno.

       Os escravos que não tinham uma profissão declarada desempenhavam várias funções, por exemplo, as mulheres eram rendeiras, fiandeiras, costureiras e ainda prestavam serviços domésticos. 

Tabela presente no artigo “Escravidão, núcleos familiares e mestiçagem: uma análise do Cariri cearense no século XIX” de CORTEZ  IRFFI (2012, p. 9)


Não devemos esquecer que além dos escravos, os homens livres e pobres realizavam os trabalhos principalmente nas atividades agropastoris no Cariri na segunda metade do século XIX. Falando no trabalho nas lavouras canavieiras, os serviços dos trabalhadores livres eram requisitados principalmente nos tempos de moagens, pois o número de escravos não era suficiente.

É somente durante a década de 1860, época do surto algodoeiro do Cariri, que se vislumbra uma maior divisão de livres e escravos nos espaços de produção, pois, ainda segundo Figueiredo Filho (1966,p. 30), o resultado da expansão da cultura algodoeira “era todo devido ao trabalho livre ; o lavrador preferiu pagar aos assalariados 1$280 diários, a empregar nas roças seus poucos escravos”. Ficou o trabalho livre essencialmente nas plantações de algodão e o escravo permanecia nas lavouras de cana com uns poucos trabalhadores a seu lado (CORTEZ e IRFFI, 2012, p. 10).

Fazendo uma suma sobre a sociedade caririense, podemos concluir que era constituída da fusão de índios, brancos, negros, mulatos e crioulos. E em linhas gerais, o trabalho escravo no Cariri deve-se ao ouro e principalmente a cana-de-açúcar.

O desenvolvimento do Cariri ampliou mais ainda para além das plantações de cana, com as descobertas das minas.

O Coronel da Ribeira dos Cariris Novos encaminhou notícias ao governador de Pernambuco Luís José Correia de Sá que fora encontrado ouro no Cariri. O governador não esperou nem o comando do Rei e mandou uma expedição ao Cariri chefiada por Jerônimo Mendes de Paz com trinta soldados.

No ano de 1754 Diogo Lôbo da Silva substitui Correia de Sá frente a capitania de Pernambuco, e cria a Companhia do Ouro das Minas de São José dos Cariris que teria duração de um ano e era formada por vinte sócios que pagaram uma certa quantia de dinheiro e escravos para participarem da exploração aurífera caririense. Para não prejudicar a economia canavieira devido à exploração das minas do Cariri, o governador da capitania, Lôbo da Silva, determinou que a busca pelo ouro só seria possível se utilizassem mão-de-obra de escravos novos.

Em 3 de agosto de 1756, sob administração do associado capitão Antônio Jacó Viçoso estava instituída a Companhia de Ouro. Saindo de Recife Viçoso, trazia consigo 73 escravos, desses apenas 69 chegou ao Cariri,

Jerônimo de Paz, resgatando o metal encontrado e multiplicando esforços no combate ao contrabando, pôde enviar, a 15 de dezembro, para o Recife, cinco libras de ouro comprado a diversos, fazendo novas remessas em 3 e 29 de abril seguinte. Mas Jacó Viçoso não suportou a aspereza da missão e tratou de abandonar a Companhia e o cargo, a que serviu durante pouco mais de um ano, sendo substituído por José Pinto. E não mostrando o negócio nenhuma renda, vieram todos a compreender a inutilidade da mineração (GIRÃO, 1984, p. 99).

        Em resolução de 12 de setembro de 1758, a Companhia foi dissolvida pela Coroa portuguesa e a busca pelo ouro no Cariri foi finalizada. 

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Referências

CORTEZ, S. R. P.; IRFFI, G. Escravidão, núcleos familiares e mestiçagem: uma análise do Cariri cearense no século XIX. Anais do I Circuito de Debates Acadêmicos , Brasília , 2012. Disponivel em: <https://www.ipea.gov.br/code2011/chamada2011/pdf/area6/area6-artigo7.pdf>. Acesso em: 12 Fevereiro 2020.

GIRÃO, R. Pequena história do Ceará. 4ª. ed. Fortaleza: Universidade Federal do Ceará, 1984.

OLIVEIRA, A. J. D. Engenhos de Rapadura do Cariri: Trabalho e Cotidiano (1790-1850). Fortaleza: [Dissertação], 2003. Disponivel em: <http://www.repositorio.ufc.br/handle/riufc/33217>. Acesso em: 15 Abril 2020.

 

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