De acordo com alguns autores a pedra inicial da
construção de um povoado, dá-se pela criação de capelas que é um marco fundante
das futuras cidades. Essa prática foi comum a muitos municípios brasileiros, cristianizado
pela Igreja Católica.
[...]
a institucionalização da vida dessas tantas e tão dispersas comunidades se dava
pela oficialização de sua ermida, de sua capelinha visitada por um cura, pela
sua elevação um dia a matriz, elevação que significava a ascensão de toda uma
região inóspita, ou de ocupação mais antiga e em expansão, ao novo estatus de
paróquia ou freguesia [...] (MARX, 1991, p.12.)
Não
foi diferente na gênese da cidade de Juazeiro do Norte, com a edificação da
capelinha de N. S. das Dores. Em 15 de setembro de 1827 é lançada a pedra
fundamental da capela de N. S. das Dores, no sítio Joaseiro pertencente ao
Padre Pedro Ribeiro da Silva criador da povoação deste sítio, além da capela
sua casa e seu engenho de açúcar demonstrava seu poderio local. O Padre
Ribeiro, nascido nesse mesmo sítio em julho de 1790 foi ordenado em 1825 no
seminário de Olinda – PE. Ele era filho de Sebastião José de Carvalho e Luzia
Bezerra Monteiro (filha do Brigadeiro Leandro Bezerra Monteiro e Rosa Josefa do
Sacramento) e no dia do início do levantamento da capela houve missa cantada na
casa de oração do Sítio Joaseiro presenciada pelos familiares do padre. Quando
a capela foi concluída pelo Brigadeiro, foi trazida de Portugal a imagem de N.
S. das Dores esculpida em madeira de estilo bizantino[1].
A história do arraial pode ser dividida em a.C. e d.C.
(antes de Cícero e depois de Cícero). Antes da chegada do padre Cícero o
lugarejo estava vivendo o clima tenso com as rodas de samba, bebedeiras e
prostituições, que de acordo com o livro “O Patriarca de Juazeiro”, escrito
pelo Padre Azarias Sobreira, esses momentos de descontrações que ia até altas
horas da noite quase sempre terminava em sangue. “Não somente os adultos, mas
também menores conduziam à cinta uma faca de ponta, a que se associava um
cacête de pau-ferro. Eram as insignias de honra daqueles tempos nefastos, em
que a absoluta falta de instrução cavalgava a escassez de civismo e de
policiamento” (LÔBO, 2011, p. 28).
No
ano de 1871, o povoado estava sem capelão, dois moradores da localidade foram
ao Crato para pedir um padre para a celebração da missa natalina. Foi escalado
para celebrar essa missa, o futuro patriarca do município, o Padre Cícero Romão
Batista. Essa foi a primeira celebração do Padre Cícero, que veio morar na
povoação do Joaseiro em abril de 1872, sendo o sexto capelão do lugarejo.
Com a chegada de Padre Cícero as rodas de
samba e as noites com bebedeiras e prostituições estava com dias contados, onde
o padre parafraseando os textos bíblicos entoou o seu mais famoso lema para
aquelas almas pecadoras “Quem bebeu não beba mais, quem roubou não roube mais,
quem matou não mate mais”. Aos poucos Padre Cícero foi transformando os hábitos
profanos para atos de fé e de sacralidade. Esse lema do Padre Cícero se tornaria mais tarde em letra de música,"os Conselhos do Padre Cícero" cantada pelos peregrinos que visitam a cidade durante as romarias.
Segundo
o historiador Ralph Della Cava, em 1875 o povoado de dois mil habitantes ainda
trazia traços essenciais oriundos da fazenda de cana-de-açúcar e tinha cinco
importantes famílias que detinham o poderio do lugarejo: os Bezerra de Menezes,
os Landins, os Sobreiras e os Gonçalves. A maior parte da população descendia
dos escravos que pertenciam ao Padre Pedro Ribeiro ou de mestiços e brancos
pobres que vieram trabalhar nos engenhos de açúcar nas imediações do lugarejo.
“O povoado ostentava uma capela, uma escola e 32 prédios[2]
com tetos de palha. Havia somente duas ruas. A rua Grande mais tarde rua Padre
Cicero, estendia-se, paralelamente, ao longo da capela e encontrava-se em
perpendicular com a rua dos Brejos” (DELLA CAVA, 1976, p. 36).
Joaseiro em 1875 com sua capela original e suas 32 casas. (DELLA CAVA, 1976, p. 37) |
Com
o passar dos anos o patrimônio de N. S. das Dores deixado pelo Padre Ribeiro e
sua família, fez com que mais tarde com a chegada do Padre Cícero Romão Batista
juntamente com o mestre José Edwiges tivesse condições de iniciar em 1874 a
construção de uma nova capela. No ano de 1884 ocorrera a benção da capela e a
consagração do altar do Santíssimo Sacramento Eucarístico, pelo segundo bispo
do Ceará D. Joaquim José Vieira, que elogiou a construção:
A
capela de Juazeiro começada no princípio de 1875 pelo Padre Cícero Romão
Batista, Sacerdote inteligente, modesto e virtuoso, é um monumento que atesta,
eloquentemente, o poder da fé e da santa Igreja Católica, Apostólica, Romana,
pois é admirável que um sacerdote pobre tenha podido construir um templo vasto
e arquitetônico em tempos anormais, que atravessava esta diocese, assolada pela
seca, fome e peste. (EDWIGES, 2006, p. 69)
O
autor do livro, “Padre Cícero e a
verdadeira origem da ‘povoação do Juazeiro’”, José Sávio Sampaio Edwiges,
bisneto do mestre-de-obras José Edwiges, faz uma correção nessa citação do
Bispo Joaquim: primeiro a questão do início das obras que se deu no ano de
1874, um ano antes do que ele falou e em segundo que com o patrimônio deixado
pelo primeiro capelão do povoado e sua família foi suficiente para o término da
construção da ermida.
Em
1887, o mestre José Edwiges conclui a obra da igreja e no dia 18 de setembro de
1887 ocorreu à benção da imagem de N. S. das Dores que foi trazida da França
pelo diretor do seminário da Prainha em Fortaleza, pelo padre Chevalier por
solicitação do Padre Cícero[3].
Neste dia foi concluído não somente mais um templo, mas “a casa da mãe de Deus”
e também a mãe dos sertanejos: N. S. das Dores[4]. A
história da capela do Juazeiro juntamente a seu povoado foi transformada a
partir do milagre da hóstia dada pelo Padre Cícero à beata Maria de Araújo:
No
dia 1° de março de 1889, Maria de Araújo era uma das várias devotas que se
encontrava na capela de Joaseiro para assistir a missa e acompanhar os rituais
que se celebravam, todas as sextas-feiras do mês, em honra do Sagrado Coração
de Jesus. Foi uma das primeiras a receber a comunhão. De repente, caiu por
terra e a Imaculada Hóstia branca que acabava de receber tingiu-se de sangue. O
fato extraordinário repetiu-se todas as quartas e sextas-feiras da quaresma,
durante dois meses; do domingo da Paixão até o dia de festa da Ascenção do
Senhor, por 47 dias, voltou a ocorrer diariamente. (DELLA
CAVA, 1976, p. 40)
Desde então milhares de
peregrinos visitam a cidade de Juazeiro do Norte e em especial a capela,
atualmente Basílica Menor de N. S. das Dores. Como define em seu texto, Leomar
Brustolin que: “nas origens dos santuários há motivações de caráter sobrenatural
(p. 236)”, isso exemplifica de fato o que acontecera no povoado de Joaseiro
naquele ano do derramamento do sangue de Jesus Cristo, como afirmava o reitor
do seminário do Crato, Monsenhor Monteiro, citado por Ralph Della Cava. Porém o
espaço onde ocorreu o milagre da hóstia, a então capela de N. S. das Dores
sofreu ao longo do tempo grandes transformações, seja porque o número de fiéis
só aumentava (por isso precisava de um local maior para poder suportar a forte
presença romeira) ou por motivos do catolicismo Romanizador. Estas mudanças e
ressignificações do espaço sagrado, que foi desde: Capela, Paróquia / Santuário
a Basílica Menor, de início podemos afirmar que deve principalmente pelo
complexo de interesses políticos e culturais do processo Romanizador.
O Projeto Romanizador que
se iniciou no final do século XIX e inícios do século XX, tinha como objetivo
reeducar os fiéis que praticavam o catolicismo luso-brasileiro (catolicismo
popular) marcado por crendices, superstições e fanatismos, para um catolicismo
romano/europeu (catolicismo oficial) ligado às práticas vigoradas na Santa Sé.
Obras citadas:
BARROS,
Luitgarde Oliveira Cavalcanti. Santuários, Peregrinações e Novas Modalidades de
Concentrações Humanas nas Práticas Religiosas. Diálogos Latinoamericanos, Aarhus – Dinamarca, v. 3/2001, p.
147-154, 2001
BRUSTOLIN,
Leomar Antônio. Santuários: caminhos de contemplação da beleza de Deus. In: Teocomunicação. Porto Alegre, v. 37, n.
156, p. 231-239, jun. 2007.
DELLA
CAVA, Ralph. Milagre em Joaseiro.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976.
EDWIGES,
José Sávio Sampaio. Padre Cícero e a
verdadeira origem da ‘povoação do Juazeiro’. Fortaleza: Premius, 2006.
LÔBO,
Azarias Sobreira. O Patriarca de
Juazeiro. 3.ed. Fortaleza: Edições UFC, 2011.
MARX,
Murillo. Cidade no Brasil terra de quem.
São Paulo: Nobel: Edusp, 1991.
MENEZES,
Fátima & ALENCAR, Generosa. Homens e
fatos na história do Juazeiro: estudo cronológico - 1827~1934. Recife:
Editora Universitária UFPE, [s. d.].
[1] MENEZES, Fátima
& ALENCAR, Generosa. Homens e fatos
na história do Juazeiro: estudo cronológico - 1827~1934. Recife: Editora
Universitária UFPE, [s. d.]. (p. 23).
[2] Prédios aqui
está no sentido de construções de morada, nesse caso casebre tradicional sertanejo
chamada de casa de taipa.
[3] MENEZES, Fátima
& ALENCAR, Generosa. Homens e fatos
na história do Juazeiro: estudo cronológico - 1827~1934. Recife: Editora
Universitária UFPE, [s. d.], p. 29.
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